Artistas contemporâneos extrapolam a bidimensionalidade do papel e
criam poesia com recursos eletrônicos
Para estudioso de poesia digital, apesar das mídias diversas, a palavra é o foco dessa nova geração.
MARCIO AQUILES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A poesia em meios não impressos firmou-se como espaço de experimentação na literatura contemporânea.
Os poemas digitais, por exemplo, utilizam a hipertextualidade da
internet para criar uma leitura fragmentária, conduzida de acordo com os cliques do leitor.
Álvaro Andrade Garcia desenvolveu o software "Sítio de Imaginação" (www.ciclope.art.br), onde cria e publica seus poemas.
"É um ambiente que permite a qualquer internauta manter fluxos interativos com texto escrito, falado, audiovisual, música ou imagem gráfica. Essa interatividade permite que poetas e leitores contribuam mutuamente na criação poética", afirma.
Já o poeta Márcio-André apresentou no início do mês "Debug Is on the Table", no Centro Cultural São Paulo. O poema-instalação foi controlado da Espanha pelo artista, com o uso de uma webcam. Ele manipulava a poesia por meio de sons e imagens, interagindo com as pessoas que se aproximavam.
"Interessa-me dessacralizar aquilo que foi estabelecido enquanto instituição, como a poesia impressa em livro, para tornar o poema tão livre quanto o foi nos períodos em que era raramente escrito. Uma poesia corporal, ainda que escrita em bites."
O performer Marcelo Sahea enfatiza que a poesia é anterior à escrita e está mais próxima da música e das artes visuais que da literatura.
"A performance, por ser uma modalidade fronteiriça e interdisciplinar, permite ao poeta aglutinar várias linguagens em um mesmo ambiente. Isso dá potência à palavra poética e expande as possibilidades de comunicação entre artista e público."
O escritor André Vallias, por sua vez, migrou para uma poesia matemática. "Minha atividade literária se iniciou sob o influxo da poesia concreta. O poeta é acima de tudo um homem de números, e não de letras."
Martha Gabriel participará em janeiro de uma exposição em Nova York,
onde apresentará o trabalho "Crystal Ball" (www.crystalball.art.br),
que "extrai poética dos 'trending topics' do Twitter traduzidos pelo 'Google Imagens'".
Para o professor Jorge Luis Antonio, autor do livro "Poesia Digital", os poetas que usam hipermídia e os performáticos compõem a nova geração que trabalha com a "poesia fora da página".
"Alguns fazem apresentações em público, na mesma linha dos dadaístas do Cabaret Voltaire, no começo do século 20. Outros fazem poesia 'cíbrida' [contração de 'híbrido' e 'cibernético'], com uso de arte, design e tecnologia. O importante é que todos focam nos aspectos poéticos."
Sarau da Cooperifa faz dez anos em momento de alta da poesia
Divulgação
O poeta Márcio-André durante apresentação performática de
"multitubetextura", na Casa das Rosas de São Paulo.
Em outubro de 2001, os poetas Sérgio Vaz e Marco Pezão organizaram,
num bar de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o primeiro Sarau da
Cooperifa.
Quase ninguém soube, quase ninguém viu -e durante um bom tempo foi
assim. Dez anos depois, e desde 2003 em outro endereço, um boteco no
Jardim Guarujá, zona sul da capital, o encontro poético é um acontecimento da periferia paulistana.
Fundador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), Vaz, sete
livros publicados, criou filhotes do sarau.
Fez a Semana de Arte Moderna da Periferia, a Mostra Cultural da Cooperifa, a Poesia no Ar (balões soltos com versos), a Chuva de Livros, o Cinema na Laje, o Ajoelhaço (em que homens pedem perdão às mulheres) etc.
E o sarau irradiou poesia pelas bordas da cidade. Há pelo menos 50 encontros do tipo em São Paulo, a maior parte na periferia. Dos saraus surgiram escritores elogiados -como o próprio Vaz, Binho e Sacolinha- e um nicho editorial.
Saíram da periferia iniciativas como as Edições Toró, de Allan da Rosa, e o Selo Povo, de Ferréz -que não faz sarau, mas os elogia e vai a muitos lançar seus livros. Até uma editora tradicional, a Global, criou um selo de literatura periférica.
O movimento das franjas ganhou o respeito do centro, "do outro lado da
ponte". "Estamos no meio de uma revolução. A poesia, que até o século passado era vista como arte de elite, está mudando de dono e de classe social,
indo para a periferia. É a coisa mais importante da literatura brasileira hoje", diz o poeta Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas, que abriga saraus na avenida Paulista, organizados com o auxílio de Marco Pezão.
A professora da UFRJ Heloisa Buarque de Hollanda vê essa cena como um
renascimento "dos velhos saraus de salão do século 19" transfigurados, um "rito de passagem entre o privado e o público". A onda poética periférica se junta a um bom momento para a poesia no mercado editorial. Novas coleções são lançadas e poetas inéditos chegam ao país.
Esta edição voltada ao verso destaca ainda o novo livro de Francisco Alvim, novas expressões poéticas em meios não impressos e a obra do crítico americano David Orr, que discute o significado de ler poesia hoje. (FABIO VICTOR)
Nenhum comentário:
Postar um comentário